Giliel Albuquerque (na foto, é o jovem da frente) com a turma de jovem aprendizes no IDESQ
“Que no futuro a gente possa viver numa sociedade menos preconceituosa, menos racista. Quero ver travestis e trans virando médicas, engenheiras, advogadas. Ver uma delegada e um delegado trans. É inclusão, não é exclusão, não é preconceito. Que a gente não rotule, que eu possa chegar num hospital e ser atendida por uma médica travesti, que ela não precise se prostituir para viver”.
Neste 28 de junho, comemorado o Dia do Orgulho LGBTQIA+, as palavras do jovem aprendiz Giliel Albuquerque, 20 anos, refletem o desejo de toda comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Intersexo (LGBTQIA+) e de todos que acreditam na inclusão e na igualdade como um caminho para um mundo melhor. Giliel é aprendiz do Primeiro Passo, parceria do Governo do Estado com o Instituto Nacional de Qualificação Profissional e Desenvolvimento Social (IDESQ), desde agosto de 2019.
O jovem trabalha hoje, pelo projeto, no Instituto de Cultura, Arte, Ciência e Esporte, mais conhecido como Rede Cuca. Atuando como auxiliar administrativo na área de matrícula e tendo o sonho de ser efetivado pelo Cuca após o fim do projeto, Giliel sabe o quanto é privilegiado.
“O RH diz que o Cuca é um lugar de inclusão, nunca de exclusão e que a gente nunca poderia tratar alguém com preconceito ou com descriminação. Isso me fez pensar que eu estava no céu”, pontua o jovem, que inclusive passou a aproveitar o espaço do local, para fazer vôlei de praia e de quadra, além de natação.
Após a perda da mãe, em 2019, em decorrência de um câncer, o jovem compreendeu a importância de um trabalho formal.
“O programa Primeiro Passo foi de extrema importância na minha vida, me possibilitou ter um trabalho, começar a comprar alimentos, roupas e produtos que eu precisava. O que é e o que foi o programa vai ser sempre tudo na minha vida. Foi muito importante para o meu crescimento pessoal, como indivíduo, cidadão e como LGBTI+”, afirma, comentando também que o trabalho o ajudou a superar a morte da mãe.
Mas Giliel sabe que esse privilégio, infelizmente, não alcança outras pessoas LGBTQIA+.
“A gente não quer ultrapassar os outros, a heterossexualidade, o mundo que a gente vive. Queremos inclusão, porque hoje é muito difícil ver no mercado de trabalho pessoas LGBTI+. Elas estão em subempregos. A gente já sofreu e sofre tanto. Enquanto estamos conversando, algum LGBTI+ foi espancado, foi morto… Por isso, é muito importante essa questão do respeito e da inclusão no mercado de trabalho, pra gente ter uma voz social”, reflete.
O jovem comenta também que a falta de empregabilidade pode ainda ser pior para gays, trans e lésbicas negros(as). “É o racismo junto com a homofobia e é muito mais complicado para ele(as) arranjarem um emprego formal”, ressalta.
Giliel não lembra nenhum momento da sua vida que o fez prestar atenção em meninas. “Sempre prestei atenção em meninos. Já desde os 12 anos já sabia que eu era gay”, comenta. Quando passou a ter mais consciência de sua orientação sexual, passou também a perceber o quanto era difícil entender a si mesmo. Como muitos gays, se culpou e fugiu do que era.
Os sentimentos se tornaram ainda mais confusos para ele, quando lembrava da religião e da igreja que ele e a família frequentavam.
“Sempre rezava e fazia diversas outras coisas para tirar isso de mim, porque eu achei que fosse o demônio, pedia para Deus tirar isso, para deixar de gostar de homem. Eu ficava com meninas na época e foi muito difícil para qualquer tipo de pessoa que não se aceita. Foi uma das piores épocas da minha vida”, afirma Giliel, comentando que a situação, nesse período, tornou-se ainda mais complicada quando a mãe dele descobriu o câncer.
Quando ficou com o primeiro menino, Giliel se sentiu “impuro”. “Pela igreja, pela minha religião, pela religião que a minha família seguia. Foi uma coisa louca na minha vida, que eu não sabia controlar, eu chorava, sentia o demônio dizendo que eu iria para o inferno. Até eu me aceitar foram longos períodos de luta psicológica”, diz.
Depois de assumir quem sempre foi, o preconceito veio para Giliel em diversos âmbitos, inclusive por parte da própria família e por parte das pessoas da igreja que frequentava. O aprendiz lembra do dia em que decidiu não voltar mais para o local.
“Na época eu fazia crisma e foi mais difícil porque vieram me dizer que eu não podia receber a hóstia. Namorar um gay me tornava um pecador e por isso não podia receber a hóstia. Isso me chateou tanto que eu decidi sair da igreja nesse tempo, decidi não ir mais e viver somente a Deus”, completa.
Giliel afastou-se da religião, mas nunca de Deus. Com base na fé, ele encontrou uma paz interior que o guiou para a vida que ele passou a ter, assumindo a si mesmo.
“Acredito que Deus ama todo mundo, independentemente… Ninguém vira gay, a gente nasce gay. Então, como é que Ele ia criar o pecador? Em pleno século XXI, a gente ainda sofre interpretações dos outros de uma palavra da Bíblia que diz que homem é feito para mulher e a mulher feita para o homem. Eu não interpreto a Bíblia e os mandamentos do jeito que eles interpretam. Somos seres humanos, temos desejos, e Deus fez o homem perfeitamente. Então porque a gente estaria nesse impasse de ser castigado por uma coisa que a gente já nasce sendo? A gente apenas se assume muito tarde, mas a gente é gay desde criança”, afirma.
Para ele, é difícil acreditar que o mundo, atualmente, é tão desenvolvido e evoluído em alguns aspectos e tão preconceituoso em relação à comunidade LGBTQIA+. “Estamos falando do século XXI, que há TV’s com alta resolução e a medicina cada vez mais avançada, mas a gente é tão retrógrado(a) ainda numa coisa tão simples, que é o respeito e principalmente vindo de cristãos que pregam o amor, a igualdade, a fraternidade”.
Mesmo sendo difícil conviver com “as caras feias e as rabissacas” toda vez que sai de mãos dadas com o namorado ou quando usa short curto, Giliel já entendeu que precisa tentar não se afetar com situações preconceituosas. “É muito difícil lidar com as pessoas olhando para você como se fosse uma coisa do outro mundo. Eu lido com isso sendo forte”.
O diálogo e o conhecimento, para o jovem, são maneiras que podem diminuir o preconceito da sociedade. “Ninguém nasce preconceituoso, ninguém nasce racista. A gente vira de acordo com a influência dos nossos pais, parentes e pessoas próximas. Então, tem que ensinar, sentar, conversar, para que futuramente a gente mude isso”.
2 Comments
👏👏👏👏
nossa, eu me vi em cada palavra dele, obrigado idesq plea oportunidade ♥